12.31.2006


(rafael ferraz)




"não devo, não quero e não posso. mas isso não acontece."

12.23.2006

contos que têm apenas meio fim...

Para sempre

Álvaro fez a pergunta que lhe estava cravada na garganta: "Quem é?" Rúbia sorriu antes de responder: "Você tem uma doença auto-imune". Já na rua, ele tomou-lhe a frente para abrir a porta do carro. Ao dar a volta, ajeitou o colarinho, os olhos cegos pela visão das belas pernas no banco do passageiro. A festa seria seu fim.

No caminho, procurou ser ameno. "Essas festas nos K. são sempre um pouco snobs, não acha?" Ela sorriu. "Eu disse isso no ano passado." Não ligou para o sinal amarelo, o que a irritou um pouco. Era o que ele queria. Não falaram mais até a hora de armar o sorriso e descer para a festa. A porta da casa tinha pelo menos meia dúzia de manobristas e um burburinho encenado. Ficou inquieto quando o manobrista alto e forte foi abrir a porta dela, como mandaria o figurino. Aquelas pernas. Por que aquelas pernas?

Ela desceu sorrindo, esse era o problema além das pernas. Foi encantando cada um até a entrada da casa, e festa adentro. Ali, foi sumindo aos poucos do seu olhar, ele era lento demais para segui-la. Em poucos minutos, desistiu. O primeiro uísque apareceu para acompanhar seus pontos de interrogação. O segundo chegou junto com o casal anfitrião, a quem ele reservou mesuras e inteligências, gesticulando com o copo, à forma de brindes excessivos. Rodopiou aqui e ali, falando com um, apresentando outros dois, mostrando-se solícito, simpático, sedutor. O terceiro uísque veio do lado da bandeja oposto ao que servia a uma bela e curiosa conviva. Apresentaram-se.

Rúbia chegou sorridente em casa. Álvaro tinha sido uma companhia de risco naquele trajeto. Tinha, como sempre, bebido além da conta. Ela tinha moderado seu riso, agora mais delicado e carinhoso. Ele não lhe abriu a porta do carro, e entrou barulhento em casa. Ela não esperou boas-noites, não viriam, ainda teve disposição para pôr um uísque no copo. "Uísque?", ele balbuciou. "Uísque", ela respondeu, enquanto fixava os olhos nele, sorrindo. "Onde você andou a noite toda?" "Perto de você, bem perto de você", ela respondeu, sem deixar de sorrir, enquanto a ele ia restando só subir a escada conformado e praguejando, praguejando e conformado.

Ele já babava no travesseiro quando ela pegou o telefone. Fazer o quê?
Ele a obrigava a isso. Toda vez. Contra sua vontade. Mas fazer o quê?


valeu Jayme Serva.